Borel, lugar de restauração do indivíduo a comunidade

E edificarão os lugares antigamente assolados, e restaurarão os anteriormente destruídos, e renovarão as cidades assoladas, destruídas de geração em geração. Isaías 61:4

Essa foi a palavra recebida pelos primeiros missionários da JOCUM, quando oraram pelo Rio Janeiro e suas comunidades na década de 90. No contexto dessa palavra, vemos promessas do Senhor aos Judeus que haviam retornado do cativeiro babilônico e se estabeleceram novamente na sua terra. Foi prometido que suas casas seriam reconstruídas, suas cidades seriam levantadas das ruínas, onde haviam permanecido por um longo tempo e seriam preparadas para o uso. Eles edificariam os lugares antigamente assolados, as cidades seriam renovadas, as desolações de muitas gerações, que alguns temiam que nunca fossem recuperadas, seriam restauradas.

Hoje, após quase três décadas olhando a história, vemos a graça de Deus sobre esta comunidade e com muitos avanços. Bendize ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Salmo 103:2 

Em outubro de 2017, completamos 30 anos desde que a JOCUM chegou ao Rio e se estabeleceu em um Sítio no Município em Duque de Caxias. Ali um grupo de missionários deu seus primeiros passos, buscando em Deus uma direção para começar a trabalhar na “Cidade Maravilhosa”, mas também como diz o escritor Zuenir Ventura em seu livro, uma “Cidade Partida”.

Dentre tantos depoimentos e testemunhos, ouvimos do fundador da Base JOCUM Rio, Tio Wellington, que certa vez viu uma reportagem que retratava o Morro do Borel como uma comunidade com altíssimo índice de violência na época, não lembrando a revista ou jornal onde tinha saído a matéria, apenas mencionou que “a favela do Borel era considerada uma das comunidades mais violentas e perigosas do Rio e do Brasil, com a presença muito forte do tráfico de drogas”, e foi neste contexto que os primeiros missionários aceitaram o desafio de subir a comunidade Tijucana.

Lembro que quando cheguei ao Borel em junho de 1994, a violência era alarmante, as operações policiais eram constantes na comunidade, semanalmente eram publicadas matérias nos jornais cariocas mostrando mortes de jovens. A década de 1990 a 2000 foi marcada quase diariamente por todo tipo de violência, seja ela armada, física, psicológica, tortura e descriminatória; além dos confrontos entre facções diferentes estabelecidas nas comunidades vizinhas do Borel (Casa branca e Chácara do Céu). Este ambiente tenso e de confronto se dava praticamente em toda comunidade.

Conversando com diversos moradores antigos do Borel, ouvimos que o “Terreirão”, o local central da comunidade, que atualmente é um lugar mais tranquilo, era chamado antigamente de “banco de sangue”, isso se dava porque pessoas eram mortas neste local, e depois uma noite de sono, ao levantar para trabalhar era comum aos moradores se depararem com um corpo neste local.

Depois de uma conversa com D. Judith * (95 anos, tenho quase certeza ser a moradora mais antiga da comunidade) ela disse: “Hoje o Borel, nem se compara, passei por momentos muito difíceis, construímos essa comunidade, quando não tinha nada”. Outra moradora Irmã Elza (62 anos) relatou: “Quando vim de Minas morei em diversos locais no Borel, nessa época tinha que ficar na fila pra conseguir água, nada era calçado, a violência era enorme…”. D. Eva também disse: “todas as vezes que precisava descer o morro pra trabalhar ou ir a igreja, precisava colocar um saco plástico, pra não sujar meus pés, era muita lama, cheguei também a perder um filho nessa guerra entre o Borel e a Chácara do Céu”.

Voltando ao texto inicial, vejo o profeta Isaías 61:4, destacando três verbos impressionantes: edificar, restaurar e renovar. Agora já na sua terra, os judeus seriam restaurados, teriam suas casas edificadas, e alegria do Senhor iria renová-los pra sempre, não estariam mais debaixo de opressão de outro governo.

Ao longo da história vemos o Borel sendo edificado, restaurado e renovado, o Senhor ao longo dos anos, fez e continua fazendo; aquele que entende seu chamado pessoal e se submete a este processo divino é restaurado, para depois, junto com a comunidade restaurá-la. Toda restauração individual não acontece para o resultados e ganhos pessoais, não tem um fim em si mesmo, seu propósito maior, é o coletivo e comunitário.

Na caminhada cristã o que vemos na história, é um Deus relacional, que volta seu coração e sua missão para o propósito inicial de revelar seu amor, nos trazendo para perto d’Ele, nos fazer semelhantes a Ele, pra depois realizarmos sua vontade, ou seja, no Reino de Deus o SER é absoluto, pleno, prioritário. Saber quem somos, quem Ele é em nós, é um valor incondicional, e aqui está toda identidade cristã pessoal e missional; o FAZER, no entanto, é uma construção, caminhada e vivência; é consequência. Quando invertemos esse processo, perco a naturalidade da vida, tudo fica mais difícil, posso ser engolido pelo ativismo e pela religião, como disse o profeta Isaías, vocês me honram com seu lábios, mas o coração está distante de mim. Isaías 29:13

Jovino Neto

O Morro do Borel ao longo dos anos tem essa vocação de nos transformar e preparar-nos para uma missão, e dentre tantos aprendizados. Desenvolver nossa humanidade é a principal vocação comunitária deste lugar. Aqui temos a oportunidade de aprender a ser gente, mais humano, mais simples; aprender e experenciar a vida singela que o evangelho nos propõe, e sem emburrecimento me possibilita, também, a mergulhar e conhecer uma cultura local, aprendendo a valorizar e respeitar o outro; a diversidade nos enriquece, alguém já disse que nossa liberdade muitas vezes está no outro, somos seres interdependentes.

O poeta Jorge Vercílio em sua canção intimista “O que eu não conheço” diz: “O mais importante do bordado é o avesso, é o avesso, o mais importante em mim, é o que eu não conheço, o que eu não conheço, o que de mim aparece, é o que dentro de mim Deus tece…” Esta é uma mudança, espontânea, natural, realizada de dentro para fora.

Observando a beleza do evangelho, vejo também que os primeiros passos da vida de Cristo se dá a partir dessa encarnação: “E o verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade… Jo. 1:14”. Esta revelação descrita nos evangelhos, a partir da vida de Jesus, nos possibilita chorar e sorrir diante das frustações, sonhar e acreditar, reconhecer virtudes como força e coragem, experimentar limitações, fracassos, e continuar avançando. A vida em comunidade e a valorização do coletivo é o cerne para sermos transformados, em suma, na proclamação do evangelho, as mudanças acontecem a partir do envolvimento, identificação e proximidade.

Ainda temos muito a caminhar e fazer, porém, não posso esquecer-me dos avanços, das conquistas, das mudanças e transformações que ocorreram o longo dos anos; e isto é possível porque inúmeras pessoas passaram por aqui e deixaram sua contribuição, servindo em todas as formas esta comunidade. Borel tem investimento de Nacões!!! Com alguns dados podemos mensurar e ver parte desta transformação, pois, só à eternidade nos mostrará o resultado desta semeadura de amor. Aonde o evangelho de Jesus chega, realidades são transformadas e estatísticas são alteradas.

Dados recentes da Secretaria de Segurança Pública do Rio demonstra a diminuição da violência e mortes de jovens no território do Borel. A taxa de homicídios por arma de fogo reduziu sensivelmente nos períodos entre 2010 a 1/2016).

Não tem preço ver a vida de jovens sendo preservadas e caminhando no propósito que Deus separou para cada um, como também, ver dia a dia a Comunidade do Borel alterando a recente estatística sobre a violência em nosso país. Deste modo, a igreja de Cristo através da presença e serviço, pode  gerar expectativa, apontar caminhos de esperança e possibilitar oportunidades através da sua vocação. Eis aqui nossa missão como igreja de Cristo: IR + FICAR = TRANSFORMAR.

Ps.:  Temos relatos completo dos moradores citados no texto: D. Judith, D. Elza e D. Eva.
Nos próximos textos iremos pontuar outros avanços na Comunidade do Borel e refletir sobre os novos dados atuais da segurança publica.

MUDE UMA VIDA HOJE

Enquanto a pobreza, a injustiça e a desigualdade persistirem, nenhum de nós poderemos realmente descansar. Não é preciso muito para mudar uma vida, entre em contato hoje e comece a fazer a diferença.